"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o."
Ricardo Reis, heterônimo de sopro clássico de Fernando Pessoa.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Imprevisto da vida

O tempo corre exíguo
Mas que é o tempo afinal?
a delimitação da vida,
medida infinita,
alucinação da gravitação universal.

A Lei Harmônica relativiza-o:
- ah! Se eu morrasse em Mercúrio,
um ano em oitenta e oito dias terrestres.
Quantas oportunidades de recomeço...
quantos carnavais e Natais.
Coleção de perdões, coleção de voltar atrás.

Mas que a idade viria cedo,
multiplicada por quatro.
Pois que nem o tempo pode ser perfeito,
que dirá a longevidade da vida
que sempre é breve.

Cruzes morar em Plutão
um ano em duzentos e quarenta e oito anos terrestres,
nove mil quinhentos e vinte dias
sem ciclos, invictos.
Viveria muito...
e não viveria nada.

Um beijo,
Alana Oliveira.

Aqui neste profundo apartamento

Aqui neste profundo apartamento
Em que, não por lugar, mas mente estou,
No claustro de ser eu, neste momento
Em que me encontro e sinto-me que vou,
Aqui, agora, rememoro
Quanto de mim deixei de ser
E, inutilmente, [....] choro
O que sou e não pude ter.

Fernando Pessoa, Poesias Inéditas.

Saudações!

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ódio?

Ódio por Ele? Não... se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!

Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não... não vale a pena...

Florbela Espanca, em "Livro de Sóror Saudade".