"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o."
Ricardo Reis, heterônimo de sopro clássico de Fernando Pessoa.


sábado, 31 de outubro de 2009

À minha Gold (mãe)

Adriana, MEU TUDO.

FAMÍLIA

Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goibada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco da noite
e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.

Carlos Drummond de Andrade, itabirano mais que preferido.

Um exemplo de dedicação com o lar, com a carreira e com o afetivo.
Acho incrível como ela administra o rebolado e sempre dá conta de tudo.
Quando eu crescer, quero ser igual à você, mãe.
A melhor mãe do mundo é a minha!
Gold, TE AMO!

Alana Oliveira.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Mundo moderno


"O progresso era maravilhoso antes de progredir tanto."
Millôr Fernandes

O LUGAR DA TRANSGRESSÃO
Encontrei um sapo cochilando dentro de
Minha botina. Nunca me meti em botina
De sapo. Que liberdades são essas?
Cacaso - filósofo, poeta e letrista da MPB mineira.

NADA SERÁ COMO ANTES
Nosso amor puro
pulou o muro
caiu na vida.
Jamais seremos o par
romântico
que outrora fomos.
Chacal - poeta, contista, ensaísta e letrista da MPB carioca.

PRONTO PRA OUTRA

Gravei seu olhar seu andar
sua voz seu sorriso.
você foi embora
e eu vou na papelaria
comprar uma borracha.
Chacal.

Os muitos caminhos da poesia brasileira, rio profundo e caudaloso, deságuam nos versos de Cacaso e Chacal.
Seus apelidos curiosos, acabam por refletir também sua maneira de fazer poesia. São irreverentes, líricos, irônicos e engraçados, contam histórias do cotidiano urbano, com versos livres e expressões coloquiais, muitas vezes sem eco na poesia.
Viveram os momentos poéticos de opressão política. Sobreviveram. Pertencem à mesma geração, lutaram pelos mesmos ideais e mostram a cara mais recente da poesia no Brasil!

Esses poemas acima, que considero pequenas grandes denúncias contra elementos advindos com o modernismo, não são pregões à favor do atraso e do obsoleto, apenas das velhas e boas tradições, dos obséquios!
Um apelo, não aos aparelhos de antigamente, mas às pessoas de antigamente! Não é uma visão antiquada e submissa de mundo, mas antes as pessoas dedicavam mais tempo umas às outras. As músicas não eram banalizadas nem depreciativas. E isso aí é herança de que? Desses avanços desmedidos que colocam em crise os valores...

Ah, essa modernidade moderna!

Alana Oliveira.

A regreção da redassão, culpa da televisão?


Charge de Millôr Fernandes

De súbito, me deu uma vontade de postar antes de ir assistir ao filme que está passando no SBT e, por tratar-se de TV, escolhi postar o texto de José Paulo Paes, sobre a televisão e o Poeminha à glória televisiva de Millôr.

A TELEVISÃO

Seu boletim meteorológico
me diz aqui e agora
se chove ou se faz sol.
Para que ir lá fora?
A comida suculenta
que pões a minha frente
como-a toda com os olhos.
Aposentei os dentes.

Nos dramalhões que encenas
há tamanho poder
de vida que eu próprio
nem me canso em viver.
Guerra, sexo, esporte
E me dás tudo, tudo.
Vou pregar minha porta:
Já não preciso do mundo.
JOSÉ PAULO PAES - Prosas seguidas de odes mínimas.

POEMINHA À GLÓRIA TELEVISIVA


Não me contem!
Ele era tão famoso
Antes de ontem!
MILLÔR FERNANDES

É isso...
Alana Oliveira.

A Grande Família


AMIGOS QUE ME DÃO COLO, VODKA E DIAS INCRÍVEIS - Turma Técnico em Alimentos integrado ao Ensino Médio em Visconde do Rio Branco - 19/Out/09

Amigos.. o tempo está passando.
Que será de nós amanhã? Dos nossos sonhos, anseios, promessas...
Reencontraremo-nos todos velhinhos?
A incidência no tempo e no espaço me assusta.. Tenho medo de pensar a inexorabilidade do fortuito de cada um. Medo de pensar em destino.
De pensar que temos menos que a eternidade. A eternidade seria razoável.
O futuro, a cada instante se converte em passado. Existirá presente?
As nossas escolhas na vida são sentenças. Imaginem a gravidade disso!
Apenas quero que saibam: tenho orgulho por tê-los ao meu lado em todas as horas. Sinto que tempo com vocês não é tempo perdido.
Mesmo nas horas que puxamos angústia! E isso significa abordar um tema habitual como el sentimiento trágico de la vida, le recherche du temps perdu, to be or not to be.
Mesmo nas horas que reclamamos o efêmero da existência. Que dizemos que nada vale nada, tudo precário, equívoco, contraditório, inútil, e pedimos mais uma cerveja!
Mesmo nas horas que rimos dos nossos próprios defeitos, e de quem acha defeitos em nós.
Nas horas em que a lei de Murphy - desgraçado Murphy - parece ser a única coisa única e certa.
Nas horas em que ignoramos nossos inimigos, boçais, fanfarrões, meros mortais... pobrezinhos deles.
Nas horas em que deixamos a idiotice reinar e o sentimento de criança aflorar.
Nas horas que nós soltamos as feras depois de um singelo "forniquemos". As gandaias...
As horas de lamentações: - Por que eu não estudei mais para aquela prova de Geometria intuitiva??? E aí um ser iluminado tira-lhe o sentimento de culpa: - Ora, não analisa vai?!
Eu realmente tenho amigos que me dão colo, vodka e histórias pra contar!
Obrigada por serem quem não me mandam à forca porque eu ainda não sei o que mais eu quero para a vida, além de respirar poesia e beber arte!
O que eu sei da vida é que vocês tornam-na mais fácil, simples e divertida.
Aí eu penso que o verbo mais adequado não é viver a vida.
É brincar a vida.
Amo todos vocês!

Alana Oliveira.

A um poeta - Antero de Quental


Jardim Antero de Quental (local onde morreu), Ponta Delgada - Açores.

A um poeta

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita a sombra dos altares,
Longe da luta e o fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

ANTERO DE QUENTAL.

Antero de Quental é figura importante da Literatura Realista de Portugal (junto, claro, à Eça de Queirós). Sua produção poética apresenta três momentos distintos, intimamente ligados à trajetória de sua vida: no primeiro momento (anterior à Questão Coimbrã) reflete ainda uma postura romântica; no segundo momento, com Odes Modernas, inaugura sua fase de poesia revolucionária (fase dos agitados dias de Coimbra); no terceiro momento, com Sonetos - sua obra mais completa - predomina a técnica perfeita e a lógica (motivo pelo qual foi contemplado com o epíteto de poeta-filósofo).

Em 1891, Quental, sofrendo de Doença Bipolar (uma psicose maníaco-depressiva), muda-se para sua nativa Ponta Delgado, nos Açores, onde acaba por se suicidar num banco de jardim da cidade.
Hoje o Jardim leva o nome do autor, e abriga um memorial em homenagem a um dos mais ilustres filhos da região.


Alana.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Perguntas de um trabalhador que lê - Bertold Brecht


Escultura de Brecht feita em bronze por Fritz Cremer. Praça Bertold Brecht, em Berlim.

Perguntas de um trabalhador que lê.

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam nomes de reis.
Foram eles que arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruida,
quem a reergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro moravam os seus construtores?
Na noite em que se terminou a Muralha da China,
para onde foram os pedreiros?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os construiu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio só tinha palácios para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida, na noite em que o mar a engoliu,
viu afogados gritarem por seus escravos?
O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Conquistou sozinho?
César abateu os gauleses.
Não levou sequer um cozinheiro consigo?
Quando a sua armada afundou, Filipe da Espanha chorou.
Ninguém mais chorou com ele?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes?
A cada dez anos um grande homem.
Quem paga as despesas?

Tantas histórias.
Tantas perguntas.


BERTOLD BRECHT


Eugen Berthold Friedrich Brecht
foi um dos autores alemães mais importantes do século XX, especialmente nas suas facetas como dramaturgo e poeta.
De formação marxista, Brecht dava grande importância à dimensão pedagógica em suas obras de teatro: contrário à passividade do espectador, fez parte de sua intenção formar e estimular o pensamento crítico do público.
É no mínimo instigante a sua antologia poética. O poema - Perguntas de um trabalhador que lê - apareceu em Copenhague, quando o autor já se encontrava na Suécia.

Neste poema, o autor vem alertar como a história é contada no sentido de uma elevação exagerada da figura do herói, do esforço de torná-lo lendário, semideus.
Para tanto, por vezes apropriando-se da veracidade dos fatos, adequando-os à maneira que melhor convém, através de um acordo entre gigantes.

E Brecht vai além::

"Desconfiai do mais trivial, na aparência do singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."


Alana Oliveira.

Histórias de Quadros e Leitores. "Ut pictura poesis." (Na poesia, da mesma forma que na pintura)

Queridos,
Transcrevo abaixo alguns fragmentos interessantes de um dos livros que leio atualmente: Histórias de Quadros e Leitores, organizado por Marisa Lajolo; um prato cheio para quem, assim como eu, gosta da Arte em suas mais variadas formas de expressão.

"Pintura é poesia muda, e poesia é pintura que fala." - Marisa Lajolo


La donna che legge (A dama do livro) - Roberto Fontana

No dia 18 de abril de 1895, leitores de A Gazeta de Notícias, jornal carioca de grande prestígio, encontraram nas suas páginas um curioso poema de título meio enigmático: Soneto Circular. Assinava os versos um nome já bastante conhecido na época e hoje, tão famoso autor de Brás Cubas: Machado de Assis.
O soneto publicado em 18 de abril era assim:

Soneto Circular

A bela dama ruiva e descansada,
De olhos longos, macios e perdidos,
C'um dos dedos calçados e compridos
Marca a recente página fechada.

Cuidei que, assim pensando, assim colada
Da fina tela aos flóridos tecidos,
Totalmente calados os sentidos,
Nada diria, totalmente nada.

Mas, eis da tela se despega e anda,
E diz-me: - "Horácio, Heitor, Cibrão, Miranda,
C. Pinto, X. Silveira, F. Araújo,

Mandam-me aqui para viver contigo."
Ó bela dama, a ordens tais não fujo.
Que bons amigos são! Fica comigo.
MACHADO DE ASSIS

Aprofundando o poema:
Tudo parece ter começado com um quadro que Machado teria ganho de presente de amigos (que pode ser visto por quem visita hoje o acervo machadiano da Academia Brasileira de Letras, no Rio). Era La donna che legge, pintado em 1882 por Roberto Fontana.
Andando pelas ruas do Rio de Janeiro, Machado teria se encantado com o quadro exposto na vitrina de uma loja da rua do Ouvidor. Talvez naquele dia ele estivesse acompanhado por um amigo, que testemunhou seu encanto pela pintura; talvez tivesse comentado com outro seu fascínio pela tela. O caso é que correu de boca em boca que ele gostaria de possuir o quadro, mas talvez não pudesse arcar com a compra dele. Resolveram, pois, vários amigos, cotizar-se e presenteá-lo com a tela.
O quadro foi parar na residência Assis, no Chalé da rua Cosme Velho, em Laranjeiras, ao lado de móveis e objetos. A tela testemunhava a vida doméstica do escritor - que tão bem esmiuçou a vida doméstica brasileira, devassando-lhe amores e ciúmes, casamentos arrajados, pobrezas decorosas e heranças espúrias - com sua bem-amada Carolina.
Seguiu à oferta do presente a composição de Soneto Circular, enviado a cada um dos amigos mencionados nos versos 10 e 11 (Horácio Guimarães, Heitor de Basto Cordeiro, Ernesto Cybrião, Antônio da Rocha Miranda, Caetano Pinto, Joaquim Xavier da Silveira e Ferreira de Araújo) e que um deles - Ferreira de Araújo - encarregou-se de publicar no Jornal, tornando público o agradecimento do escritor.


Aprofundando a tela:

Machado deve ter se perdido em conjecturas: porque a leitora teria nas mãos um livro fechado? Para melhor meditar no que lá estava escrito ou porque a leitura a entendiava? O dedo entre as páginas do livro marca onde a leitura parou ou é apenas um modo casual de segurá-lo? E a tesoura que mal se vê na outra mão? A leitora se preparava para cortar um trecho que particularmente a agradou ou ia picotar uma passagem que a desagradou? Ou, será ainda a tesoura apenas um enfeite no cenário?
Perguntas sem respostas, ou melhor, com uma pluralidade de respostas. Fica estendido o convite à desentranhá-las.
Acho fascinante a intertextualidade entre obras! Com essa, entre Fontana e Assis não é diferente...

Porque o que me dá prazer nas leituras não é a beleza das frases, mas a doença delas!

Alana Oliveira.

sábado, 17 de outubro de 2009

Primeira vez!

Comecei com essa idéia de blog, não sei exatamente quando, mas estava quase virando "projeto de vida".
Projeto desses que a gente adia pra segunda-feira, depois pro início do mês que vem, e quando nos damos conta que o mês que vem chegou (mais rápido do que pensávamos), lamentamos nossa falta de tempo para tentar nos justificar com a consciência.
Pois bem, este aqui passou perto de entrar pro rol de coisas a fazer antes dos trinta (que certamente chegam mais rápido do que pensamos)!
A culpa de todo este entusiasmo desentusiasmado despejo na conta da minha experiência com blogs e flogs anteriores. No início postava diariamente, mas com o tempo a frequência ia sendo reduzida, até caírem no esquecimento.
Além disso, me deparei com a questão de por que criar um blog na confusão do mundo de hoje? Criar um blog para quem ler?
Para estar aqui escrevendo isso, hoje, tive que superar essas incredulidades que fortaleciam a minha falta de motivação.
Tive de adquirir uma filosofia nova: este aqui não deixarei que seja tempo perdido. Este aqui não (repito para dar mais efetividade e ênfase)!
Resolvi que dedicar um tempo ao blog significará também dedicar um tempo a mim mesma, como se fosse uma terapia! Afinal, escrever é mesmo uma terapia.
Pelo que me conheço, é pedir demais que eu trace os rumos que o blog tomará. Confesso que mal sei o que pretendo!
Sei apenas que para este post já basta!
Para finalizar, contemplo-os, queridos, com dose de Fernando Pessoa - poeta e escritor português, rapaz tímido e cheio de imaginação e estudante brilhante:

"Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens."

Um beijo,
Alana Oliveira.