"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o."
Ricardo Reis, heterônimo de sopro clássico de Fernando Pessoa.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Perguntas de um trabalhador que lê - Bertold Brecht


Escultura de Brecht feita em bronze por Fritz Cremer. Praça Bertold Brecht, em Berlim.

Perguntas de um trabalhador que lê.

Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros constam nomes de reis.
Foram eles que arrastaram os blocos de pedra?
E a Babilônia tantas vezes destruida,
quem a reergueu outras tantas?
Em que casas da Lima radiante de ouro moravam os seus construtores?
Na noite em que se terminou a Muralha da China,
para onde foram os pedreiros?
A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.
Quem os construiu?
Sobre quem triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio só tinha palácios para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida, na noite em que o mar a engoliu,
viu afogados gritarem por seus escravos?
O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Conquistou sozinho?
César abateu os gauleses.
Não levou sequer um cozinheiro consigo?
Quando a sua armada afundou, Filipe da Espanha chorou.
Ninguém mais chorou com ele?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem preparava os banquetes?
A cada dez anos um grande homem.
Quem paga as despesas?

Tantas histórias.
Tantas perguntas.


BERTOLD BRECHT


Eugen Berthold Friedrich Brecht
foi um dos autores alemães mais importantes do século XX, especialmente nas suas facetas como dramaturgo e poeta.
De formação marxista, Brecht dava grande importância à dimensão pedagógica em suas obras de teatro: contrário à passividade do espectador, fez parte de sua intenção formar e estimular o pensamento crítico do público.
É no mínimo instigante a sua antologia poética. O poema - Perguntas de um trabalhador que lê - apareceu em Copenhague, quando o autor já se encontrava na Suécia.

Neste poema, o autor vem alertar como a história é contada no sentido de uma elevação exagerada da figura do herói, do esforço de torná-lo lendário, semideus.
Para tanto, por vezes apropriando-se da veracidade dos fatos, adequando-os à maneira que melhor convém, através de um acordo entre gigantes.

E Brecht vai além::

"Desconfiai do mais trivial, na aparência do singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de
hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem
sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural
nada deve parecer impossível de mudar."


Alana Oliveira.

Um comentário:

Unknown disse...

Maano, paguei pau.
Você, ao que parece, integra a rara juventude pensante deste país.

=)

Gostei.
=**