"Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o."
Ricardo Reis, heterônimo de sopro clássico de Fernando Pessoa.


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Academia da vida

Outro dia titia chegou aqui em casa, enxutona, tinha muito tempo que não a via.
- Ê titia ein, cinquentinha, tudo em cima, que isso aí ahn?
Aí a titia me disse que era a academia da vida.
Acorda cedo, dorme tarde, vai e volta a pé do trabalho.
Achei interessante!
Gente antiga não tem dessa de lipoaspiração, hidrolipo, lipoescultura, academia, dieta.
Esse negócio de sedentarismo é coisa da nossa geração. Nós inventamos a preguiça, a dependência do controle remoto, do carro, do celular, do videogame.
Não é à toa que antigamente as pessoas eram mais felizes com menos!

Alana Oliveira.

EU

Olhar pra frente me é costumeiro,
mas nas tardes cinzentas, nostálgicas, desvio o olhar pra trás
e vejo tudo quanto não conheço.
Quanta novidade naquilo que eu pensava que sabia sobre mim!

Alana Oliveira.

Intempéries do destino

Pensar incomoda como sapato apertado
quanto mais o pé anda, mais longe o destino parece estar.
O pé é a metáfora do pensamento.
Escrever é minha maneira de estar comigo
e me aproximar do destino.
É vender idéias de graça
(idéias que finjo que compreendo)
é ter o sol,
e também a chuva quando é preciso.
É a chuva que molha o pé apertado no sapato
e alivia a dor.

Alana Oliveira.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Poesia em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Egoismo

Hoje chorei baixinho,
que era pra não incomodar ninguém.
Porque tristeza é coisa que não se divide.
É responsabilidade tamanha
deixar o dia dos outros mais plumbeo
que não me cabe e eu não suporto
nem se for sem querer.
Hoje foi um dia daqueles que não deviam existir.
Daqueles que a gente lamenta "de cão"
(coitadinhos dos cãezinhos... tão agradáveis que são!)
Só por isso que amanhã eu levanto,
como se nunca tivesse vivido antes.

Alana Oliveira.